Eu tive um sonho, vou te contar, imaginava pelo mundo velejar...
E foi possível depois de muitos percalços esse sonho realizar. Mas após quase quatro anos viajando e vivendo aventuras inimagináveis, dia pós dia, de
volta a casa (Brasil), a vida a bordo “normal” não é tão legal.
Atravessamos o oceano atlântico na maior santa paz! Saímos de Simons
Town na África do Sul e só usamos três horinhas de motor para passarmos pelo
cabo da Boa esperança. Depois velejamos com a brisa e um mar tão calmo que me fazia
duvidar, estava bom demais para ser verdade. E foi verdade, até avistarmos a ilha de Trindade que pertence
ao Espírito Santo. Daquele ponto até Vitória, velejamos em três dias o que
normalmente se veleja em sete dias. Era como se a natureza estivesse
contribuindo para chegarmos mais rápido em casa e matássemos as saudades da
família, dos amigos, da comida do calor brasileiro. Sim, estávamos saudosos.
A ficha demorou a cair que o sonho havia terminado porque de uma certa
forma ainda o vivíamos, cada vez que contávamos as histórias, as palestras que
fui convidada a fazer. Essa foi uma parte ótima! Dei
palestras para crianças em escolas públicas e para entusiastas da vela. Foi
muito bom receber as reações das pessoas a cada foto mostrada e os aplausos
calorosos das crianças em uma palestra que nem consegui terminar. Depois de
cada foto havia um haaaaaaa, o que fez atrasar um pouco as coisas. Foi
prazeroso saber que alguns pais, no dia seguinte, foram a escola saber que
história maluca era aquela que o filho estava contando, de uma moça que havia nadado
com golfinhos e tirado foto com um tigre.
Dai com os bolsos furados, começamos a nos recolocar no mercado para
trabalhar. Recomeço difícil, apesar da “fama” que tantos dizem que temos. Há
quatro anos não havia crise e somente uns três catamarans faziam charter pelo
Brasil. Hoje todo mundo pensa que fazer charter é fácil e estão tentando,
aumentando a concorrência. Nos recolocamos e começamos a trabalhar, trabalhar e
trabalhar. E é isso que basicamente fazemos hoje. Trabalhamos e juntamos
dinheiro, mas não sabemos para quê!
Poxa Guta, vocês poderiam fazer outra volta ao mundo né? Verdade, aliás,
dizem ser o ideal. A primeira volta ao mundo é a que nós realmente aprendemos a
velejar, a navegar, a sermos pacientes, a respeitarmos a cultura dos outros, a
não querer matar todo burocrata de uma figa (mentira isso ainda não aprendi). A
segunda volta ao mundo seria a que a gente realmente aproveitaria: Sabendo as
manhas, não perderíamos tempo e dinheiro em tais lugares, aproveitaríamos muito
mais em outros. Mas fazer uma volta ao mundo atrás da outra é um sonho praticamente impossível sem
patrocínio. Então voltando a realidade, quando a ficha caiu que tudo acabou,
fiquei deprimida, estou deprimida. As pessoas continuam a cobrar vídeos novos,
perguntam quando o livro sairá! Mas quando começo a pensar a escrever me
emociono. É diferente de contar para uma pessoa ao vivo, escrevendo parece que
estou revivendo cada momento. Sinto o frio na barriga que tinha de cada saía de
um porto e já tive verdadeiramente dor de barriga quando recordei os momentos
difíceis. E recordar de tudo, hoje, não me faz bem. Evito lembrar, evito de uma
maneira que já não consigo sonhar mais com as lembranças. E hoje, 10kg mais
gorda (as saudades da comida brasileira foi “bem matata”) perdi o entusiasmo. E
sinto um cadinho de inveja do entusiasmo de quem está começando agora na vida
náutica, que tem percorrer todo o longo caminho até chegar lá. Seja somente
“abandonando” tudo e vivendo a bordo, seja pensando em fazer uma longa viagem. O
“lá” não interessa, o que interessa é a vontade de fazê-lo.
Agora, trabalhando aqui em Angra, parece que tudo ficou simples demais,
fácil demais, tranquilo demais. Uma volta ao mundo não é fácil, simples, tranquila.
Nos acostumamos com a adrenalina a nos preparamos para o pior, para resolver
qualquer problema que aparecesse e de repente nada, somente calma.
Antigamente, ir até Recife para participarmos da REFENO (regata Recife x
Fernando de Noronha) erá “a” viagem. Hoje seria como se fôssemos a esquina
comprar pão. Sete dias direto dependendo do vento do Rio de Janeiro até Recife.
O que são sete dias para quem já ficou 22 dias com o mar do cão, atravessando o
pacífico, sem ver terra e ter contato com ninguém?!
O máximo de emoção depois que
voltamos foi arrastarmos uma poita com um vento de 30 nós, forte para os
“padrões” brasileiros, mas normal para os padrões de fora, como o caribe por
exemplo. Deu um certo trabalho conseguir colocar a poita no lugar e nos
soltarmos dela. Rendeu gritos entre eu e Fausto, uma mão cortada, o coração
saindo pela boca e alegria! Nunca imaginei ficar feliz com uma situação que
poderia ter dado muito mal. Loucura isso
né? Agora, toda vez que vou pegar uma poita me enrolo, não sei se faço
inconscientemente só para sentir aquela raivinha por não ter dado certo de
primeira. Tô enlouquecendo, sim ou com certeza?
Como não podemos viver nessa apatia náutica, resolvemos seguir em frente
com novos planos, que não serão realizados a bordo do Guruçá que está a venda.
Mas até lá...
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